A rua dividia a avenida, justo no
coração do bairro. Se você tomava o caminho do Horto Florestal, à esquerda, se
para a capital, à direita. Nada mais começar, fazia um pequeno requebro em
curva e custa abaixo que, em dias de chuva, tinhas que tomar sérias
precauções. Estava sem asfaltar, como muito, um par de sacos de cascalho
improvisados, justo, antes das eleições, livravam aos vizinhos de
levar um bom susto e ficar cheios de barros até os olhos.
Na esquina, a casa de uns portugueses endinheirados.
Para mim, um pequeno palacete com jardim e horto. Lá, rosas, lírios, pitangas,
couves e limoes, brincavam à cabra- cega. Descendo, à esquerda, meio escondida,
algo parecido a uma casa. Isso, sim, escoltada por dois pés de mamao e uma
palmeira, enredada entre o milharal. Perto, vivia uma mulher só, com o seu
lourinho falador.
Um pouco mais adiante, a casa da minha
amiga, Frida, e sua família de emigrantes, belga-alemães, com seu inconfundível
estilo nórdico em brancos e marrons. A Oma, (avó), eternamente sentada. A dona,
Eliza, e seus, sempre, agradecidos e deliciosos doces recém saídos daquele
mágico forno, quentinho, aromático, sedutor... Suas inesquecíveis festas
natalinas e suas graciosas danças. Uma velha árvore de nêsperas e frondosos abacateiros,
davam sombra e perfumavam o lugar.
A lado, justo ao lado, uma choça, uma avó,
um criançinha que cedo morreu, Mauro. Oh Mauro! Maurinho, brincava sozinho. Seu
cabelo ondulado. Sua pele dourada. Ninguém sabia nada do…mas Mauro olhava…por
entre os canaviais que faziam de cerca… Por entre o milho e as mandiocas que
mantinham, aquelas, bocas. Diziam, que morreu de tétano…, seguro, que de alguma
coisa mais. Depois, diziam que era filho da miseria cuidado por uma,
velha, comadre. Mexericos...
A dois passos, moravam o casal, dom,
Alexandro, e dona, Alexandrina, junto com a sua inumerável família, todos,
descendentes de Mamãe África. Alegres, místicos, trabalhadores, pretos,
perfumados e brilhantes como as jaboticabas que rodeavam o quintal. Perto do
quintal, um barracão que se ajeitava como cozinha para os grandes eventos
familiares. Ali, durante a preparaçao da feijoada, assavam o pernil e ajeitavam
um sem fim de cocadas, contavam-se velhas histórias de aparecidos,
desaparecidos, escravos, apózemas e feitiços que faziam o trabalho, na cozinha,
mais facil. Sua cheirosa comida e as, intermináveis, batucadas, davam calor e
ritmo ao meu ser.
Nada mais começar a descer a rua pela
direita, o primeiro que você percebia, com todos os sentidos, era, aquele,
cheirinho a natureza virgem. Um imenso terreno salvagem manifestava os seus
comprimentos. Canaviais, bananeiras, palmeiras, orquideas, samambaias,
mamoeiros, goiabeiras, e, um sem fim de alegrias gigantes, em lenço
impressionista, tapizaba a vista.
Seguindo a rua, no alto, um palacete nunca
conheci os seus moradores. De seguido, a moradia de, Dona, Leopoldina, Dom,
Leopoldo e Margarida, uma família de austríacos, loiros, sorridentes e
gordinhos. Ao lado, viviam o senhor, Duda, lituano, dona, Josefina, sua mulher e
a sogra, dona, María, de origem italiano. Fazía uma polenta boa pra xuxú!
A minha casinha tinha a estrutura de um
antigo *(1) casario basco, um lado do telhado era um pouquinho mais grande.
Estava feita com barro e paú-brasil, as paredes brancas e as portas e janelas
em verde escuro. Dividida em dois, nós, ocupávamos a parte menor só separada
por uma tela metálica, cuatro tábuas e um poço de água. Improvisado jardim e
horta rodeavam a casa, e, Linda, uma cadela, pastor alemão, se ocupava de
cuidá-la. Bom, a dizer verdade, quem de veras fazia de tenaz guarda era Genaro,
um ganso; presente de um, emigrante, asturiano de quem tomei o nome, em
agradecimento, sem saber, se, o ganso, era Genaro ou Genara.
Além disso, tínhamos como vizinhos,
imediatos, a uma família de lusitanos brasileiros, Dona Irene o senhor Joaquim
e os seus filhos, Marisa e Luizinho, e a um jovem casal, ela, brasileira, ele,
japonês.
Naquela extraordinária rua, naquele
pequeno percurso, abraçavam-se e colavam-se as cores, os perfumes, os aromas e
os sabores, em um buquê que compunha, a sinfonia mais bela que jamais voltaria
a escutar. E quando a noite tendia seu manto estrelado aplacando devagarzinho a
pássaros, animais e pessoas, os vaga-lumes salpicavam a escuridão confundindo o
limite espacial de veludo. Só desperto ao sonho da cotidiana realidade pelo
assobio do*(3) trenzinho da Cantareira. (Cartas Juvenis Sao Paulo)
Feliz Natal e Próspero Ano Novo!
* Rua Ana de Barros, 1958
Familia: de Walter, Eliza, Ona.
Gertrudis, Erika, Walter, Frida, Elizabeth, Bruno.
Familia: Maurinho, madrinha.
Familia: Maurinho, madrinha.
Familia: Alexandro, Alexandrina
Vilma, Adao, Hilda, Creusa, Nelson, Tito, Sueli, Solange, Rosangela…
Familia: Cleide, Neide, Edit...
Familia: Abigail...
Familia: América, marido, Sinval, Sinvalda e Sandra.
Familia: Maria da Broa...
Familia: Walquiria, Valter...
Familia: Cleide, Neide, Edit...
Familia: Abigail...
Familia: América, marido, Sinval, Sinvalda e Sandra.
Familia: Maria da Broa...
Familia: Walquiria, Valter...
Familia: Leopoldo, Leopoldina
Margarida.
Familia: Duda, Josefina, Maria.
Carlos, Maria Elena, Paulinho.
María Evangelina, José Ángel, Martha. Linda&Genaro.
Familia: Gloria e marido, Angela, Anika
Familia: Irene, Joaquim, José, Lidia
Marisa, Luizinho.
Familia: Aparecida
Familia: Aparecida
(1) Antigo casario basco
*(2) Pau-Brasil
* (3) Trenzinho da Cantareira Horto
Florestal
María
Evangelina Cobo Zaballa
Castro-Urdiales (Cantabria)