martes, 1 de enero de 2013

1957 ADEUS ANO VELHO FELIZ ANO NOVO!







Meu primeiro Natal, em Sao Paulo, foi tao mágico e incrível como...
O primeiro encontro com o povo brasileiro. Eram poucos os anos  e  os olhos nao podiam dar crédito ao que viam. Tanto foi, assim, que perguntei, a meu pai, se era o *(1) dia das missoes. Nunca tinha visto, juntas, a diversidade de raças e misturas, com suas dispares postas em  cena.
Os vermelhos, verdes, amarelos e brancos aderiam-se ao cais. O sol afanado distribuía  as cores   como sabia. Alguns de seus travessos raios desaparecíam   entre os navios que as àguas    reverberavam   qual arco íris. O ar envolvia à cidade em bafafá de esencias difíceis de definir. E, depois,  a paisagem… Aquela, mostra esplendorosa de poderío divino, em todas suas omnipotentes e inimaginables  faculdades. Estava em Rio de Janeiro…. e como cantam *(2) Los Panchos... “Cristo do Rio do Corcovado de teu Brasil formoso estou apaixonado”
O Pao de Açúcar me seduziu! Até que nao me levaram ao Corcovado estive chateando como de costume… Olha quanto é de bonito o, Pao de Açucar, papai! E, papai pra  acima e  papai pra abaixo. E, meu pai, pobrezinho, que fazia cinco anos nao escutava,  papai…
Quando chegamos, a Sao Paulo,  pai  tinha-nos preparado o  prometido por carta. Uma casa grande… muito grande! E nova…Situada, no bairro de Água Fria. Era um sobrado de três andares. Imagina, Watson, três andares! Na entrada, um pequeno jardim repleto de, begonias, orquídeas, ciclámenes,  samambaías, copos-de-leite… Uma pequenininha obra de arte. Depois,  a sala, a cozinha, um asseio, terraço e lavadero. Acima, as habitaçoes, uma para a cada um de nós e um banho com banheira,  igualzinho ao das sinhâs-moças  de Castro-Urdiales. Puxa-Vida! Abaixo, um enorme quarto de estudos, outro, para os trastes velhos, e, novo toalete. Saías a um grande terraço e do terraço a um terreno com horto e galinheiro. Ar, espaço, luz por todos os lugares.
Conforme entravas, à direita, tínhamos como vizinhos a uma família de criollos, seus filhos, Leda, Marisa e Amilcar, passaram a ser nossos novos amiguinhos. À esquerda vivia um casal, Dona, Julia e Dom, José, com muitas  filhas e um só filho. María José e María Inés, acolheram-nos como se fôssemos sobrinhos. 
Junto a casa de Leda, Marisa e Amilcar havía uma mansao. A mansao estava rodeada de hortensias azuís e rosas. Seu dono era um português viúvo e feio, muito feio que tinha três filhas. A gente dizía que as mantinha encerradas e que só as deixava saír quando ele estava em casa. Acho, que era certo porque veíamos como o mordomo eo chofer fechavam a porta e trancava a grade.  Uma das filhas tocava o piano. Pelas tardes passeavam pelo jardim e assomavam a cabeça por entre os barrotes. Pra mim eram as três cativas e o seu pai um ogro. Quando lhe via entrar me fazia sembrar… Érase uma vez um rei que tinha três filhas as  meteu en três botijas e as tampou com  pez, (piche). Você quer que eu conte outra vez? Uiii, Que medo! Defronte, ao lado do posto de gasolina, a casa de, Ana Lucia, costumávamos brincar e nos deixava  ver os desenhos animados.
Era um bairro de classe meia alta, aquarela de raças e conveniências. Seus moradores, pelo geral, eram emigrantes de toda procedência, espanhóis, alemaes, italianos, portugueses, japoneses, chineses, libaneses, franceses e seus descendentes.  Perto, tinhamos um bom sortido de comércios e  serviços. Na esquina a panadería, Moravia, regentada por uns portugueses, da mao desfilavam, a farmácia, a loja de secos e molhados, o bar, a mercería, a quitanda, uma tinturaría, um liceu, uma loja de roupas de confecçao, e ,descendo  pela mesma rua, em direçao do  bairro de Mandaqui,  estava o cinema, Valparaíso. 
Em um dos cruzamentos  da avenida Água fria, vivía uma coleguinha do colegio. Neide. Neide e os seus paes, Dona Jandira e Don Raul, ele militar, ela, costureira, junto com, Joao, o maestro foram uma parte muito importante da minha infancia.
O bairro estava quase completo, só a igreja, Nossa Senhora dá Salette, faltava por terminar. Ao lado da igreja estava a escola  e de ceca em meca, da igreja à escola, da escola às casas aonde eran necessarios o irmao, Nicolau, e Lourenço.
Junto à escola morava Lili. Lili era uma chinêsinha. O seu nome era complicado acababa en, Le, e soava, li. A professora, Dona Aparecida, acomodou-me ao seu lado. Lili tinha dois anos mais que eu e sabía o português, me protegía, fazía de interprete e corregía os meus erros. Ela, e sua familia me faziam muita graça, dizíam que, eu, era a reencarnaçao de um dos seus antepasados, e, embora eu confundia a toda sua, honoravel, descendencia os queria e respeitava. Lili, compartilhou  o seu lanche quando soube que a minha mae estava doente. Eu costumava cantá-la, assim...

O espaço da igreja, em construçao, servia para realizar os acontecimentos  da época. Em comuniao diária, os vizinhos contribuíam com o bem fazer  e o bem estar popular. A igreja ia tomando altura quanto o dinheiro da colaboraçao de crentes, fregueses e vizinhos. A improvisada parroquia  colmava de dita às gentes do lugar  durante as festas do natal,  principalmente,  para  os emigrantes e nascidos no nordeste.  Junto com espanhóis, italianos, alemaes… vieram desde o nordeste brasileiro a forjar uma nova vida, em solo paulista, milhares de, cabra-da-peste, em seus pau-de-ara.
Os  vizinhos do nordeste, pernambucanos, baianos… eram gente amável, sacrificada, trabalhadora; mas nunca faltava-lhes  alegria e graça  pra dançar, um chachado, o forró ou ensinar uns pasinhos de frevo.  Ao redor da igreja organizavam-se encontros, festas, sorteios, kermesses e intercâmbio de, “pedacinhos do céu”, era como chamava, o irmao, Nicolau, aos pratos bem cheios que os vizinhos deixavam, na parroquia. O que sobrava entrava en sorteio e o dinheiro ia parar nas maos das famílias mais pobres. Os parroquianos cuidavam que nao fosse a outra parte. 
Nessa estavamos quando chegou o Natal. Meus pais apareceram com um abeto enorme e com montoes de enfeites. Os amigos que trabalhavam com meu pai, Mr. Phiro, Wilson, Eliot, converteram aquele Natal em inesquecível. Éramos muito queridos. Durante cinco natais  tinham acompanhado e vivido o sofrimento dos meus pais. Nao tinha dia que nao viessem  com um enfeite pra árvore, uma pequena bobagem, um conto…
Eu, Watson, nao perguntes porquê,  quiçá pra ter perto de mim aos meus avôs e tios, teimei até  fazer um presépio parecido ao que estava na loja de Presno. Mas, nao tinha as estatuetinhas. Nos  lares de Sao Paulo, o tradicional era a árvore de Natal. As parroquias eram as que se encarregavam de montar o Belém, e,  as famílias emigrantes cristas, punham a sagrada família. Encontrar as estatuetinhas foi um milagre! E, o milagre aconteceu porque o irmao, Nicolau e Lourenço ocuparam-se de ajudar na tentativa. Presentearam-me com meia dúzia de personagens de barro. Bom… Presentear, o que é presentear, nao. Estariam em casa até que outra menina quisesse pôr um presépio.   E, tive as estatuetinhas até que a vida trocou a nossa  sorte.
O presépio ficou, no quarto de abaixo, ocupava meia habitaçao. Junto, com as estatuetas de barro, entraram fazer parte, a metade de um forte apache e a outra metade  de cabalhería  e alguma alma de plástico, o Zé Carioca, o pato Donald…   
Enfeitou-se e se alumiou-se, o pinheiro, na sala. Virgen María! Tinha um pinheiro, enfeitado e alumiado, que se parecia muito aos carros alegóricos do *(3), Coso Blanco, e estava dentro da minha casa e pra mim sozinha Era bom demais! Estava extasiada. As sombras e escuros da minha infância, como filha da emigraçao, de pronto tinham-se alumiado. Luz e clareza por todas partes. Nao obstante, como à todas as mulheres de boa vontade, acontecerom coisinhas. Vera Lucia e, eu, tínhamos amassado    uns quantos enfeites de Natal. Entrou-nos umas vontades loucas  de fabricar  um par de colares. Pensávamos merecíamos os enfeites mais que o pinheiro e nos pusemos maos à obra. Nunca melhor dito! porque ao  quebrar-se, os pequenos cristais  meteram-se-nos  pelas  unhas. Nossa Senhora da Aparecida, quanto desgosto!
Conheci ao Papai Noel, em lugar pouco aconselhado. Sim, Watson, sim. Espera um pouquinho… foi  assim…  A empresa  onde trabalhava meu pai, realizava uma festa pros filhos dos empregados. Organizava-se no espaço natural de Interlagos. Lá, chegamos!
Um gigantesco pino tomava o espaço próximo a um improvisado palco, onde, o famoso e, para mim, desconhecido, Papai Noel, entregaria doces e presentes. Desde o começo, isso de trocar  três por um, nao, era negocio. E, deixar, após tantos anos, a Baltasar  pelo Papai Noel,  nao me convenceu muito, nao. Também, meu irmao  desconfiava  e como os meninos, na escola,  repetiam que, em Sao Paulo, nao chegavam os Reis Magos. Nao quereiras saber, Watson,  quanta  curiosidade tínhamos!
O sorridente gordalhao, tinha-me  muito  preocupada. Quando distingui, entre os bonecos, ao Papai Noel de carne e osso, nao deixei de seguir a sua sombra. Lá,  onde ia, com muita dissimulaçao, lá, eu me deslizava. Você, já esta  imaginando, Watson, onde lhe encontrei, verdade?  Após, aquele reale encontro, sobretudo, pelo trono… definitivamente, decidi que nao trocava a Baltasar pelo cagao. Isso foi o que eu  disse a meus pais. Papai Noel e Baltasar, repartiram os presentes.
Papai Noel, contentou-me com uma boneca que dizia mamae e papai e um vestimento igualzinho ao de, Roy Rogers, com suas botas, chapéu americano, chicote e pistolas com espoletas. Baltasar, deixou-me, as fabulas da Fontaine, em español, e Mickey e Mouse.
Além das diferenças culturais, do clima e outras miudezas, brasileiros e espanhóis celebravam o natal do mesmo modo e à velha usança, em casa e com a família. E, como na Espanha, no lar dos  pais  reuniam- se  os filhos. O Natal na casa de fulano e o Ano Novo na casa de beltrano.
As comidas intermináveis e copiosas. As famílias brasileiras reuniam-se ao redor de uma boa feijoada, um saboroso peru, um sucoso pernil ou uma crocante churrascada. Nao faltavam ao assento entradas, variadas, deliciosos doces caseiros, feitos com  chocolate e coco. O  panetone, já, fazia parte da família culinaria brasileira. Demolhavam as viandas com vinho, cerveja, caipirinha e a sobremesa, com guaraná e champagne.
Os italianos com as suas lasagnas, raviolis, porpetones, seus osobucos, sua carne recheada   regada com um bom, Chianti. O salami e a mozzarella de entrada, e, de saida, profiteroles  e   panetones. Os tedescos, o rosbif, o chukrut, cerveja de toda cor e tartas e doces de sonho.
Nós, tínhamos o costume de fazer os *(4) chipirones en su tinta, o leite fritado, as tostadas, mas, como o resto dos emigrantes, também, adotamos, o pernil e o churrasco, em nossas festas natalinas.
Tive o privilégio e a grande fortuna de fazer parte de um grupo de gente maravilhosa e única. No bairro de Água Fria como, mais tarde, no da Santa Inês, durante os natais, junto  com o afeto,  trocavamos pequenos manjares que, à cada um de nós, pela sua diferente e variada procedência, pareciam exóticos.
Qual nao foi meu gosto e surpresa ao conhecer por vez primeira a,  “pamonha”. Em uma formosa  fonte tinha-as trazido Dona, Abigail. Bem dispostas cada uma ocupava seu posto. Quando as vi perguntei. De verdade, isso é pra comer? Cada pamonha vinha envolta,  em uma folha de milho, parecia uma bolsinha de palha, abrí-la foi pura expectaçao. O cheiro atrapou-me e o delicado gosto apaixonou-me. Pamonha! Pamonha! E… perguntei-me por que aos meninos que parecem bobos se lhes  chama, pamonhas?  Será pela surpresa da vista e o paladar ante a beleza escénica e arte do bom gosto…pensei…  Claro! Como ficas meio  pasmada,  associam   ter cara de ter visto  “pamonha”, com parecer trouxa.  Essa foi a minha intuiçao.
Quando minha mae abriu  uma lata de palmito as sensaçoes foram similares. Vinham juntinhos. Eram brancos, brancos e pareciam tronquinhos. Logo que os provei me somei aos torcedores do coraçao de palmito.

- Ah!, por certo, Watson, quando chegues nos  mundiais do Brasil nao vai se atrapalhar e  confundir, *(5) forofo”, com farofa. Farofa, é um acompanhamento da feijoada, feito a base de farinha de mandioca que está pra chupar o dedo-

Três surpresas mais, aguardavam-me para finalizar o ano. Brindar às doze da noite com o borbulhento e buliçoso guaraná. Ir a presenciar, a San Silvestre, na capital e cantar uma das cançoes mais bonitas e cheia de esperança, Fim de Ano, “Adeus Ano Velho Feliz Ano Novo!


* Fin de Ano, “Adeus Ano Velho Feliz Ano Novo”
Francisco Alves, David Nasser 
*(1) As Missoes







*(2) Los Panchos
Cristo de Rio
*(3) Coso Blanco










*(4) Chipirones en su tinta, Calamares no seu molho







*(5) Forofo



María Evangelina Cobo Zaballa
Castro-Urdiales    (Cambria)